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Opinião
Cenário tributário atual e implementação do IBS
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O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo, especialmente no que tange à tributação sobre o consumo. Conforme delineado pela Constituição de 1988, a competência para tributar o consumo foi distribuída entre os três níveis federativos: à União, coube a instituição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), bem como das contribuições destinadas à seguridade social incidentes sobre a receita bruta (PIS e Cofins) e sobre as importações (PIS e Cofins-Importação); aos estados a instituição do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); enquanto aos municípios foi atribuída a competência para instituir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
O cenário tripartite resultou em um expressivo aumento da complexidade do sistema normativo, caracterizado pela coexistência de 27 legislações estaduais distintas sobre o ICMS e aproximadamente 5.568 normas municipais relativas ao ISS. À primeira vista, é evidente que esse modelo impõe um elevado custo de conformidade aos contribuintes, decorrente da necessidade de atender a um emaranhado de regras heterogêneas e frequentemente conflitantes, o que compromete a eficiência do sistema tributário nacional e a competitividade do mercado brasileiro no cenário internacional.
Nesse contexto, a promulgação da Lei Complementar nº 214/25 [1], sancionada em 16 de janeiro de 2025, configura-se como um novo marco no processo de reforma tributária, com o objetivo de promover a reestruturação da tributação sobre o consumo no Brasil por meio da instituição de diversas alterações legislativas, dentre elas a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Contudo, é fundamental ressaltar que a reforma tributária não alcança a simplificação de forma plena, pois a Emenda Constitucional nº 132 institui o Imposto Seletivo (IS) e autorizou a instituição da Contribuição sobre Produtos Primários e Semielaborados (CPPS), além de manter o IPI para produtos incentivados, como os fabricados na Zona Franca de Manaus.
A despeito do significativo avanço na tentativa de simplificação do sistema jurídico-tributário, nota-se que a adoção de um IVA dual, composto por Contribuição de Bens e Serviços (CBS) e IBS, reflete o receio dos estados-membros em perder uma de suas principais fontes de arrecadação – o ICMS.
Por outro lado, embora o artigo 156-A da CF afirme que a competência do tributo é compartilhada entre os estados, municípios e DF, sua instituição se dá por lei complementar nacional, vedando que os entes subnacionais legislem sobre os pontos mais importantes do imposto. Essa questão, nas palavras de Ricardo Alexandre [2], impede a utilização da concessão de benefícios como mecanismo de deflagração de guerra fiscal. Ainda sobre isso, denota-se que a manipulação de alíquota, prerrogativa que continua sob discricionariedade dos entes subnacionais, não servirá de subterfúgio, na medida em que o produto da arrecadação será do estado e do município destinatário.
Além dessa função essencial da Lei Complementar, observa-se a tentativa de efetivação dos princípios da neutralidade e da não cumulatividade, cujo objetivo é coibir a verticalização artificial da cadeia produtiva e mitigar o ônus tributário. Este último, em especial, desempenha papel central na sistemática do tributo, razão pela qual merece análise mais aprofundada a seguir [3].
A não cumulatividade tributária: fiscalização, capacidade tecnológica e os desafios do split payment
A expectativa em torno da reforma tributária decorre, em grande medida, da promessa de assegurar a não cumulatividade ao longo da cadeia produtiva, requisito essencial à neutralidade e à equidade do sistema fiscal. O regime do IVA funciona como um sistema de compensação que equilibra a carga tributária ao longo da cadeia produtiva, permitindo que os tributos pagos em cada etapa sejam compensados dos devidos na seguinte, garantindo o aproveitamento dos créditos fiscais. Assim, a tributação recai exclusivamente sobre o valor agregado em cada etapa, evitando a cumulatividade do imposto. A distinção do modelo proposto pela LC decorre principalmente da modificação no mecanismo de cálculo, que deixa de ser “base contra base” e passa a ser “imposto contra imposto” [4]: cada contribuinte calcula o imposto sobre o valor da sua venda e dele compensa o imposto já escolhido nas operações anteriores.
Nessa questão, importante destacar que a eficácia do novo sistema normativo [5] está estritamente ligada à eficiência das tecnologias existentes. Sobre isso, frisa-se que a aplicação de parte dos princípios constitucionais – cuja lógica está ligada a tributação sobre o consumo – é intrinsecamente vinculada a um aparato tecnológico sofisticado, capaz de, no exato momento da ocorrência do fato jurídico-tributário, segregar com precisão os componentes financeiros da operação. Esse mecanismo, denominado de split payment, deve garantir ao fornecedor a correta apuração dos valores recebidos, separar os montantes referentes ao IBS e à CBS, extinguir os créditos tributários devidos e direcionar as respectivas quotas desses tributos aos órgãos competentes, como o Comitê Gestor (no caso do IBS) e a Receita Federal.
A evolução tecnológica e a capacitação do Fisco não são objeto de dúvida, especialmente diante dos avanços promovidos pelo Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que interconecta todos os entes federativos e centraliza, de forma instantânea, informações fiscais e tributárias. Esse emanharado digital, impulsionado pela inteligência artificial, viabiliza um monitoramento fiscal rigoroso, tornando-se uma referência internacional em termos de controle de conformidade tributária.
Entretanto, a implementação do modelo de split payment, ao vincular o efetivo recolhimento do IBS ao aproveitamento de créditos, representa um desafio que vai além da fiscalização ordinária. Isso ocorre porque, ao atuar no exato momento da materialização do fato gerador, esse sistema impõe mudanças significativas à dinâmica operacional dos contribuintes.
Ao incidir no exato momento da transação, o split payment traduz os elementos da operação econômica em termos jurídicos, assegurando ao adquirente o pleno creditamento do IBS e da CBS e promovendo a extinção do crédito tributário correspondente. Esse modelo tecnológico se consolida, assim, como o principal mecanismo de garantia da não cumulatividade e da neutralidade fiscal.
O split payment (pagamento segregado) configura-se como uma técnica de pagamento na qual o montante pago pelo adquirente de bens ou serviços é fracionado em duas parcelas distintas: a primeira, destinada à quitação dos tributos incidentes sobre a operação, e a segunda, correspondente ao valor líquido a ser repassado ao fornecedor, este último sendo o contribuinte responsável pelo cumprimento da obrigação tributária.
A grande questão é que esse novo paradigma tributário levanta reflexões relevantes [6]. Atualmente, os contribuintes conduzem suas operações de acordo com a natureza de suas atividades e dispõem de um período mensal para gerenciar aquisições, fornecimento de bens e serviços, e organizar o fluxo de caixa, ajustando-se aos prazos de pagamento e recebimento inerentes ao exercício empresarial.
No modelo vigente, mesmo que um fornecedor esteja inadimplente com o Fisco, o contribuinte ainda pode aproveitar os créditos fiscais de suas aquisições e usá-los para compensar tributos devidos, cujo pagamento só ocorre no mês seguinte.
Sob a justificativa de combate à sonegação, o split payment reconfigura essa dinâmica, impondo impactos diretos sobre a programação financeira do contribuinte. Esse sistema compromete o fluxo de caixa ao reduzir a disponibilidade imediata de recursos, sem assegurar, de maneira inequívoca, a possibilidade de compensação dos créditos tributários. Tal incerteza decorre tanto da ausência de previsões expressas na LC 214, quanto de restrições normativas que vinculam o direito ao creditamento à efetiva regularidade fiscal dos fornecedores.
Além desse entrave normativo, a efetivação plena da não cumulatividade dependerá da viabilidade técnica do complexo sistema proposto. A operacionalização desse modelo exigirá que os prestadores de serviços de pagamento realizem verificações junto ao Comitê Gestor e à Receita Federal para confirmar a existência de créditos compensáveis, tornando o processo tributário ainda mais dependente da robustez tecnológica prevista na lei complementar aprovada.
Diante do exposto, e considerando a evidente necessidade de complementação legislativa futura, bem como as diversas lacunas normativas ainda existentes, conclui-se que a tentativa de unificação e simplificação do sistema tributário, embora seja capaz de resolver algumas questões estruturais, gera uma série de novos desafios. Entre esses desafios, destacam-se as fontes adicionais de incerteza e as dúvidas relacionadas à aplicabilidade e à eficácia do sistema proposto, o que demanda um aprofundamento normativo e a evolução do aparato tecnológico para garantir sua plena operacionalização.
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm
[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. Salvador: JusPodivm, v. 11, 2017.
[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário/Paulo de Barros Carvalho–26. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
[4] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. Salvador: JusPodivm, v. 11, 2017.
[5] GOBETTI, Sérgio Wulff; MONTEIRO, Priscila Kaiser. Impactos redistributivos da reforma tributária: estimativas atualizadas. 2023.
[6] https://www.migalhas.com.br/depeso/408696/a-nao-cumulatividade-plena-do-ibs-e-da-cbs